quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

PENSAMENTO INTERIOR

Parei!
Acabei de dar alta para o analista!
Cansei de conversar com alguém que fica me olhando sem nada falar, cansei do monólogo assistido, cansei de passar anos buscando uma coisa com alguém, que eu já sabia sozinho.
Cansei de falar da felicidade que estava comigo o tempo todo e eu não percebi, cansei!
Se algum dia eu me cobrar a felicidade eu sei que ela está sentada no sofá vazio da sala de não estar do meu próprio interior, cansei de ser tubo de ensaio do estudo da psicologia humana, que de humana só tem o divã, criação humana ou vitoriana, ou freudiana ou pouco importa.
Verdade é que se busquei amar, amei a ele que sempre esteve ao meu dispor, mas preferi amar a ela, as regras sociais, e ela me traiu, ele se entregou.
Cansei de vetar as medidas provisórias pensando nas definitivas e estas nunca se resultaram realmente verdadeiras, cansei de esperar três ou mais horas por um voou que nunca saiu em direção aos confins do meu próprio eu, que não fica além da esquina do meu sentimento, cansei de chorar no seu ombro ausente o porto seguro do meu desequilíbrio, passei do ponto e desci no próximo, errei no tom e remei para outro lado, mas nem por isso perdi o norte no caminho para o sul.
Cansei dos desabafos poéticos, das prosas sem fim com as fumaças do meu cigarros, não quero mais cigarros, nem fumaças, quero o grito dos desesperados dos manicômios das sensatez, desliguem o tubo de oxigenação, deixe o dióxido de carbono me sufocar, não por suicídio, mas por consciência, não há sentido em fugir da realidade, então soltem as fumaças de óleo diesel, deixe-me tropeçar no pau, na pedra e chegar ao fim do caminho com o desalinho que sempre me foi peculiar.
Deixei  você, não por desamor, mas por excesso de amor, te amo como ama o peixe o pescador, te amo como ama a víscera a irrigação sanguínea, então deixe-me livre como a liberdade que tanto busca as asas de um colibri, tudo não passa de metáforas, assim como metafórica é a vida, assim como o sentimento de perda, que na verdade é ganho, cansei do parâmetro correto, do politicamente correto, cansei das vinte e quatro horas certinhas como linhas geométricas, vou dar um toque no surdo e sair de mestre sala e porta bandeira, num misto contundente e incômodo para os que querem tudo certo.
Passem-me o lenço de papel para secar as lágrimas que hoje já não caem, nem escorrem, volatizam-se antes de brotarem, antes mesmo do sol nascer, passem-me a chave do carro e deem-me uma estrada;  antes que a aurora volte trazendo a claridade incômoda.
Cansei desse non sense que ela me legou, quero a inconsequência que ele me trouxe, então..., está dispensado o analista, parei de falar sobre o nada, falei horas, dias, meses, sobre o nada, eu.
Portanto apaguem a luz, vedem a janela e abram o gás para que possa cair, sem pejo, em seus braços e morrer de vida em seu abraço.

SÉRGIO SOUZA

Um comentário:

  1. "Que é um poeta? Poeta é o vivente capaz de traduzir a música pulsante em seu peito em palavras que possam gelar ou esquentar os corações que pulsam na mesma batida..."

    Hoje eu entendo o seu "porque" de estudar literatura. Assim como todos os poetas, você acredita e faz acreditar que a Literatura é a arte de se expressar pela palavra. Fiquei eu aqui, boquiaberto com o entrelaçar absolutamente real das palavras. Fui por um instante viajante perdido buscando também uma chave de carro e uma estrada. Ainda sou iniciante nessa prática viciante que se chama poesia, mas quando eu crescer quero ser igual a você!

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