sábado, 28 de setembro de 2013

Risco e Rabisco





Deixei que a mão da poesia rabiscasse um poema,
Que contivesse o cheiro das terras molhadas do interior,
Que esquecesse os crepúsculos nostálgicos, àquela hora do nada,
Hora aberta do não ser dia e nem noite.
Mas que contivesse a esperteza da beleza safada dos neurastênicos do litoral,
Que não fosse invasivo, mas verdadeiro, que não esquecesse a certeza das ruas,
A libido dos alegres alheios aos tormentos dos que fecundam o sentimento.

Deixei, sem medo, que a mão da poesia rabiscasse um poema,
Que não falasse dos dilemas e incoerências e demência,
Mas que fosse livre das liberdades estabelecidas, das forças ocultas,
Das psicologias e dos divãs das manhas e manhãs sem maçãs,
Cujas palavras não tivesse recado, mas a maravilha da consciência,
Que não mencionasse a História ou Geografia,
Mas a ilusão poética e patética dos soltos ares
Dos versos de Moraes.

Uma poesia que não tivesse data ou dia
Nem João, nem Maria de açoite,
Nem tarde ou noite, só uma poesia...
Sem batucadas das madrugadas,
Ritmo ou cadência,
Que desprezasse a indecência da chegada ou da partida.

Encomendei á mão da poesia um poema,

Só um poema, sem eu ou você, mas todos nós,
Com todos os nós que empatam o jogo das verdades,
Com cheiro de poeira de estrada e a maresia da secas sertanejas,
Que tivesse o esquecimento da lembrança,
Um toque de adulta-criança, o adultério das confidências,
Nem popular, nem erudito, só palavras,
Ao léu, ao vento, sem saudade, sem verdade, sem mentira,
Só o passo do compasso de quem anda sem sair do lugar,
De quem corre para não chegar.

A mão da poesia escreveu um verso que fosse tão somente um laço,
E deixou, para que nunca chegou, porque nunca partiu,

Aquele abraço!

SÉRGIO SOUZA


“Fala sério, a vida é um grande clichê. A gente que tem mania de dar umas fugidinhas dessa realidade e achar que clichê é algo brega, algo esquecido. Mas no fundo, todo mundo sabe que existe um pedaço de clichê presente em cada um de nós. Para quem ainda tem dúvidas, aqui vai um bom exemplo: você nasce, cresce, vive, e depois morre. Isto é clichê. A vida é clichê.”

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